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Relatório expôs em 1935 as más condições do matadouro e do mercado de Coimbra


O Mercado D. Pedro V foi inaugurado em 1867 nos terrenos da antiga horta do Mosteiro de Santa Cruz Domingo, 05 de Maio de 2024

O relatório de um inquérito mandado fazer em 1934 pelo Ministério das Obras Públicas e Comunicações sobre os mercados e matadouros das capitais de distrito evidenciou o péssimo serviço prestado pelo Município de Coimbra, com preocupantes riscos para a saúde dos consumidores.

Concluído e publicado em Diário do Governo no ano seguinte, o documento enumerava um conjunto de problemas no funcionamento do matadouro municipal, em Montes Claros, mas também do Mercado D. Pedro V, no centro da cidade (onde ainda hoje se encontra).

Instalado numa zona quase deserta meio século antes mas agora repleta de construções, o «estabelecimento já velho e condenado» dava a quem o visitava a impressão de «estar a desfazer-se». «Quando se entra encontra-se à direita a casa de matança de gado bovino, e, à esquerda, a da matança de reses miúdas. A casa da matança dos bois é acanhada para o movimento atual. Os pavimentos, tanto das casas da matança como do pátio anexo, são de lajedo, assente sobre o terreno natural. Não estão impermeabilizados. As galerias abertas no terreno pelos ratos desnivelam as lajes, abrem fendas e por todas as juntas se fazem infiltrações, dando ao conjunto um aspeto desagradável e mal-cheiroso. A vizinhança queixa-se por vezes e com bem fundada razão», apontava o relatório, que o Diário de Coimbra transcreveu parcialmente na edição de 14 de junho de 1935.

Os inspetores anotaram também, entre outras anomalias, a ação nociva do excesso de luz e de moscas nas carnes que aguardavam o transporte para os talhos, a «falta de cuidados» no tratamento de «matérias fecais das panças» que eram despejadas no pátio antes de serem levadas para os depósitos de lixo da Câmara, bem como o «cheiro nauseabundo» das peles e coiros que eram conservados «por tempo indefinido num barracão destinado a casa de salga e guarda».

«O matadouro não tem aparelhagem de qualquer espécie. Há apenas umas talhas na casa da matança dos bois para a suspensão destes depois de abatidos. A Câmara explora o estabelecimento. Os magarefes e os serventes são empregados do município. Os marchantes entregam o gado a abater à Câmara e esta põe nos talhos a carne limpa. Apenas o sangue e as miudezas não são ainda tratados pela Câmara», esclarecia o documento.

Se este matadouro fora «em tempos considerado como um dos melhores que existiam aqui e lá fora», presentemente já não satisfazia, por falta de condições e também pela localização, em zona de crescimento urbanístico. «Coimbra, pela sua população, pelas suas atividades, por ser um centro de turismo importante, bem merece ser dotada com um matadouro moderno, onde todas as regras de higiene e salubridade sejam rigorosamente respeitadas. Aquilo como está, para os tempos que correm, não está bem. A Câmara alega que não tem recursos para construir novo matadouro. O problema merece ser estudado e precisa ser estudado com urgência», recomendava.

Mas se a cidade estava «mal servida de matadouro, não estava melhor de mercado».

O mesmo relatório começava por descrever o recinto do mercado diário de hortícolas, peixe e carne, localizado junto ao edifício dos Correios, observando que «as velhas barracas onde outrora se fazia a venda dos produtos foram substituídas a pouco e pouco por alpendres feitos em cimento armado». Mal pavimentado e sem esgotos, as águas de lavagem corriam «ao longo das valetas para darem entrada em duas sarjetas construídas à entrada do mercado, vendo-se aqui e além pequenas poças de água estagnada» que davam «mau aspeto ao conjunto».

Nos talhos, ocupando 11 lojas à direita do grande alpendre do centro do recinto, o “inspetor de sanidade pecuária” não gostou do que viu: «As carnes encontram-se sem resguardo de qualidade nenhuma, e expostas à poeira, à ação direta do sol, da chuva e vento e das moscas, que pululam... A carne toma rapidamente o aspeto de retardada e entra em putrefação com rapidez».

A necessidade de equipar o mercado com um frigorífico era por todos reconhecida. Num amplo barracão no topo do recinto, exposto em mesas de pedra, vendia-se «o peixe grosso fornecido por Lisboa e o miúdo que vinha da Figueira e da Nazaré». O que ficava de um dia para o outro era metido em gelo para se conservar. «Acontece porém, muitas vezes, que as vendedeiras perdem o peixe e o gelo. Mais uma razão para se instalar um frigorífico», sublinhava.

O relatório concluía que o espaço comercial, gerido pela Câmara, não estava em condições de «bem servir uma cidade como Coimbra» e tornara-se acanhado pa­ra o movimento que se fazia. «O local não é mau e dali poder-se-ia fazer um bom mercado coberto. Mas seria preciso deitar abaixo tudo o que está feito e construir de novo», preconizava, admitindo no entanto que se estudasse a «solução alternativa de substituir o atual mercado por dois novos, tendo em atenção a vastidão da área da cidade».


(Pode ler hoje esta e outras histórias e curiosidades na edição impressa do Diário de Coimbra. No nosso site estão também disponíveis mais de duas centenas de páginas de memórias dos primeiros anos do jornal)



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